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quinta-feira, 19 de março de 2009

“A ajuda não faz bem à África”

Dambisa Moyo - “A ajuda não faz bem à África”
E o engajamento humanitário de celebridades como Bono prejudica o continente, diz a economista
João Caminoto
FONTE: REVISTA ÉPOCA EDIÇÃO 16/03/2009
Nos últimos 50 anos, a África recebeu US$ 1 trilhão em ajuda. O resultado, diz a economista Dambisa Moyo, foi o aumento da pobreza e da corrupção. Moyo nasceu na Zâmbia, doutorou-se pela Universidade de Oxford e trabalhou no Banco Mundial. Ela afirma que o continente africano só vai encontrar o caminho do desenvolvimento econômico quando os países ricos pararem de tentar ajudar. Moyo também critica o envolvimento de celebridades ocidentais com a causa africana. Em seu recém-lançado livro, Dead aid (Ajuda morta), ela sustenta que os legítimos porta-vozes do continente têm de ser os próprios líderes africanos. E diz que a atual crise econômica é uma oportunidade para a comunidade internacional mudar sua atitude em relação à África.

ENTREVISTA – DAMBISA MOYO

QUEM É
Nascida na Zâmbia, fez mestrado em Harvard e doutorado em economia em Oxford. Mora em Londres

O QUE FEZ
Trabalhou no Banco Mundial e no banco de investimentos Goldman Sachs. É diretora de uma fundação que atua com microfinanciamentos na África

O QUE PUBLICOU
Dead aid (Ajuda morta). Está escrevendo um livro sobre a atual crise mundial


MUDANÇA
Em seu livro, Dambisa Moyo afirma que o Ocidente deve parar com a ajuda humanitária e incentivar o comércio

ÉPOCA – No livro Dead aid, você critica o envolvimento de celebridades nas campanhas de ajuda à África. É uma crítica a Bono, do U2, por exemplo. Por quê?
Dambisa Moyo – Por duas razões. Primeiro, não concordo que a ajuda seja o instrumento certo para estimular o crescimento econômico e o desenvolvimento africano. As celebridades estão empurrando um produto que não funciona. Em segundo lugar, as lideranças do debate sobre o futuro da África deveriam ser as autoridades eleitas do continente e a sociedade africana. Ter uma cultura de celebridades, na qual raramente vemos um líder africano falando de seus planos para o futuro, me parece errado. Essa cultura das celebridades coloca em segundo plano as políticas elaboradas pelos africanos. Não se pode ter uma política eficiente para o longo prazo com ideias montadas, ou impostas, por pessoas que não vivem no continente ou que não tiveram a experiência das condições de vida na África por um longo período. É bom que as pessoas tenham opinião, mas é fundamental que a atenção maior vá para aqueles que realmente sabem quais são os problemas.


ÉPOCA – Há celebridades ou governos que manipulam a situação na África para o próprio benefício?
Moyo – Não quero me concentrar na motivação de governos ou indivíduos. O que posso dizer é que estou muito decepcionada com as lideranças políticas internacionais. Elas não estão falando a verdade sobre a eficácia da ajuda e sobre a possibilidade de conquistar crescimento econômico na África por meio dela. Chegamos a uma situação na qual nós, como sociedade global, ficamos muito confortáveis com a visão negativa da África. Ninguém parece questionar isso, ninguém tenta estimular uma agenda diferente. O capitalismo está sob um intenso debate neste momento, todo o mundo está tentando obter um melhor equilíbrio para o sistema. Mas, no caso da África, após 50 anos e US$ 1 trilhão em ajuda, ninguém fala de uma mudança de estratégia. Nesse meio século de ajuda, a África mostrou resultados muito pobres: crescimento nulo e aumento da miséria. Mas ninguém discute isso.


“Basta olhar para Brasil, Índia, Rússia, China e outras partes do mundo.
É uma questão de apenas copiar o que outros países fizeram”


ÉPOCA – Você sugere que toda a ajuda deveria ser suspensa em até cinco anos. O que então deve ser feito?
Moyo – A boa notícia é que eu não tive de criar essa lista do que deve ser feito, é tudo muito óbvio. Basta olhar para Brasil, Índia, Rússia, China e outras partes do mundo. É uma questão de apenas copiar o que outros países fizeram. Isso significa depender mais do comércio exterior, dos investimentos diretos estrangeiros, do mercado de bônus e da microfinança, garantindo que os capitais cheguem aos pequenos e pobres empreendedores, algo que os indianos vêm fazendo há muito tempo. Tudo o que a África tem de fazer é copiar, não precisa inventar a roda. Essas são formas de financiamento transparentes e que obrigam os governos a se responsabilizar por seus atos.


ÉPOCA – Oual deveria ser a postura dos países ricos em relação à África?
Moyo – Sabemos o que traz crescimento. Não é um mistério. Sabemos que os países que se concentram em comércio vão muito melhor que os que se limitam a receber ajuda. Os países ricos deveriam incentivar o comércio. Vejo, mesmo dentro da África, lugares como a África do Sul ou Botswana, que vão muito melhor que outros países. Esses dois países não dependem de ajuda. Então precisamos perguntar por que continuamos estimulando a ajuda à África após décadas perdidas. Sabemos que indivíduos, países e governos são norteados por incentivos. Se há o incentivo certo, as pessoas e os governos vão se comportar de determinada maneira. Oferecer ajuda – que não exige prestação de contas – permite aos governos roubar e fazer o que querem.


ÉPOCA – A África está preparada para essa mudança?
Moyo – Alguns países estão. Encontrei-me recentemente com o presidente de Ruanda, Paul Kagame, e ele está ansioso para abandonar a ajuda. Temos visto países como Gana e o Gabão emitindo bônus nos mercados de capitais e alguns outros movimentos na direção de tentar livrar-se da cultura de ajuda. Mas ainda há um longo caminho pela frente. Há ainda vários governos que, rapidamente, dizem: “Por favor, não se esqueça de nos dar ajuda”. Esses são os que me preocupam mais, pois exibem uma atitude preguiçosa. Eles sabem que existem outras maneiras de financiar o desenvolvimento, mas não querem trilhar o caminho mais difícil. Preferem a opção fácil, na qual um cheque é entregue a eles. A comunidade global não deveria compactuar com isso, não deveria permitir que eles fiquem sentados esperando apenas pelo envio de cheques.


ÉPOCA – Qual é o impacto da crise econômica mundial para o futuro da África?
Moyo – Estamos diante de uma oportunidade. Da mesma maneira que sabemos que não vamos retornar ao tipo de capitalismo que foi praticado nos últimos 15 anos, deveríamos também afirmar que não vamos retornar ao modelo de ajuda que tem dominado a África nos últimos 50 anos. Essa é uma grande oportunidade para dizer: “Preste atenção, África, não podemos dar mais ajuda porque nossos orçamentos encolheram, nossas taxas de câmbio estão se movendo contra nós, e simplesmente não temos esse dinheiro. Então temos de dar outro jeito para preencher esse vazio”. É uma oportunidade fantástica, pois isso poderá criar o ímpeto para os governos africanos encontrarem as fontes de capital, com transparência e responsabilidade.


ÉPOCA – O presidente Barack Obama pode ajudar nessa mudança?
Moyo – Espero que sim. O presidente Obama foi eleito com a bandeira da mudança e da inovação. Obama está alterando muitas políticas nos Estados Unidos e tenho esperança que ele olhe para o caso africano. Ele verá que a ajuda não está funcionando e que precisa haver outra maneira de fazer com que a África se transforme num parceiro igual na economia mundial.

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